terça-feira, 3 de novembro de 2020

a rede e a crise

#NadaMudaSeNadaMudar

"A atual crise da Internet possui três dimensões que se articulam. A primeira é a crise da estrutura das redes distribuídas. A segunda pode ser chamada de crise do ideal da participação. A terceira é a crise do livre fluxo dos dados. Por ser uma rede distribuída –  sem uma arquitetura com centros obrigatórios por onde os fluxos de dados teriam que passar – muitos ativistas e pesquisadores acreditaram que essa seria uma condição suficiente para impedir o fenômeno das concentração do poder comunicacional, como havia ocorrido no cenário pré-internet, dominado pelos meios de comunicação de massas. Mas o professor Jack Balkin trouxe uma importante diferenciação que estava sendo desconsiderada:

“Devemos fazer uma distinção fundamental entre poder distribuído e democrático. Uma forma de poder é democrática se muitas pessoas participarem dela e da tomada de decisões sobre como empregá-la. Uma forma de poder é distribuída se opera em muitos lugares diferentes e afeta muitas pessoas e situações diferentes. De certa forma, a Internet e suas tecnologias digitais associadas tornaram o poder mais democrático. Mas, de outra forma, a Internet possibilitou que o poder fosse amplamente distribuído, mas não democratizado.” (Balkin, 2018, 1155-1156)

Além disso, a arquitetura distribuída da Internet não anulou os efeitos da economia de rede que possuem tendências monopolistas e concentradoras. As plataformas se beneficiaram do chamado feedback positivo em que as redes maiores crescem e as menores perdem adeptos (SHAPIRO, VARIAN, 2003). Os usuários de redes preferem aderir àquelas que são mais amplamente utilizadas. Isso otimiza a memória, o tempo e reduz diversos custos. Assim, a aplicação de capital em um grande infraestrutura, um design eficaz e a qualidade tecnológica das soluções acabaram gerando plataformas que concentraram as atenções de milhões de usuários da internet. 

Milhões de acessos geram milhões de dólares. A publicidade e o marketing buscam atingir o maior número de pessoas do seu público-alvo ou potencial. Por isso, ela remunera acessos. O Facebook e o Google possuem milhões de acessos por segundo e isso é uma grande fonte de rendimentos. A concentração de capitais reforça a concentração das atenções, uma vez que o dinheiro permite inovar e aperfeiçoar as tecnologias de modulação, de controle das visualizações de quem integra as plataformas. Além do mais, corporações como o Facebook fazem acordos com as operadoras de telefonia conhecidos como zero rating1 ou franquia zero para concentrar ainda mais as atenções principalmente dos segmentos mais pobres da população e ampliar seus acessos.  

A rede distribuída não impediu a concentração das audiências nas plataformas. Também não  impossibilitou a vigilância massiva realizada pelos Estados e pelo mercado e suas empresas privadas. Um gigantesco mercado de coleta e armazenamento de dados se formou. Sobre ele, Estados passaram a capturar os fluxos de dados e vigiar massivamente populações inteiras, sem nunca deixar de atuar também sobre alvos específicos. De qualquer ponto na rede distribuída é possível acessar um outro ponto. Essa enorme liberdade de interação foi convertida do mesmo modo em uma grande potencial para a observação pervasiva e contante de milhões de pessoas e máquinas."
#PodeVem


Por Sérgio Amadeu , professor  da UniABC.